domingo, 13 de fevereiro de 2011

Ventania

          Muitas vezes provei que eu ainda sentia com meu próprio sangue. Cravava a unha bem fundo na pele e o via brotar, num vermelho que parece ser só seu _ quando mais funda a ferida, mais denso e escuro o sangue surge. Ser sensível é algo que me consome e ninguém vê. Ninguém vê! Queimei-me, rasguei a epiderme, agredi eu mesma minha face, e dei também a outra para bater. Treinei tantas vezes para aprender a dizer não, que aprendi a parecer com a própria palavra. No entanto, sinto; e talvez eu sinta ainda mais pela minha aparência apática no espelho.
         Apática ou não, me agrada o outro. O que não sou eu, o diferente. Assusta, mas agrada. Fico assim na ventania, que acompanha o movimento do meu espírito e contrasta com a expressão do meu rosto. Apaixonei-me pelo vento forte, que me arde os olhos e às vezes os faz chorar. Apaixonei-me pelo eu que não sou, refletido no outro. Apaixonei-me pelos olhos, nariz, boca, corpo e voz – e mais, muito mais pelo espírito. Porque sim, existem ventanias com olhos, nariz, boca, corpo, voz e espírito, tão intenso que me sinto afogar. O vento entra pelas narinas, ar tão necessário que parece até absurdo poder respirá-lo. O amor entra pelas minhas narinas, tão necessário que temo não conseguir inspirá-lo.
        Mas rasgo os pulmões, provando que posso senti-la. Ela – a ventania – entra e arrasta meus sentimentos para dentro de mim. Depois volta, e temo que os leve com ela. Mas eles ficam e vão, repartem-se e não se acabam. E eu sinto. Ainda sinto. E acredito em mim, sensível.

"Ora (direis) ouvir estrelas! Certo
Perdeste o senso!" E eu vos direi, no entanto,
Que, para ouvi-Ias, muita vez desperto
E abro as janelas, pálido de espanto...
E conversamos toda a noite, enquanto
A via láctea, como um pátio aberto,
Cintila. E, ao vir do sol, saudoso e em pranto,
Inda as procuro pelo céu deserto.
Direis agora: "Tresloucado amigo!
Que conversas com elas? Que sentido
Tem o que dizem, quando estão contigo?"
E eu vos direi: "Amai para entendê-las!
Pois só quem ama pode ter ouvido
Capaz de ouvir e de entender estrelas."
                                                                                                      - Olavo Bilac