quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

-

A seguir, um texto enviado por alguém que gosto muito e que lembrou de mim ao lê-lo. Também pudera, eu mesma me vi neste texto, rs.


Ante a cegueira e a miséria do homem,
diante do universo mudo, do homem sem luz, abandonado a si mesmo e como
que perdido nesse rincão do universo, sem consciência de quem o colocou
aí, nem do que veio fazer, nem do que lhe acontecerá depois da morte, ante
o homem incapaz de qualquer conhecimento, invade-me o terror e sinto-me
como alguém que levassem, durante o sono, para uma ilha deserta, e
espantosa, e aí despertasse ignorante de seu paradeiro e impossibilitado
de evadir-se. E maravilho-me de que não se desespere alguém ante tão
miserável estado. Vejo outras pessoas ao meu lado, aparentemente iguais;
pergunto-lhes se acham mais instruídas que eu, e me respondem pela
negativa; no entanto, esses miseráveis extraviados se apegam aos prazeres
que encontram em torno de si. Quanto a mim, não consigo afeiçoar-me a tais
objetos e, considerando que no que vejo há mais aparência do que outra
coisa, procuro descobrir se Deus não deixou algum sinal próprio.
O silêncio eterno desses espaços infinitos
me apavora.
Quantos reinos nos ignoram!

- Blaise Pascal

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Arquitetura Íntima

            Os riscos no papel agora assemelhavam-se ao contorno de um dorso feminino.
            O tempo havia parado desde que ali se acomodara, portando aquele papel e um lápis preto – daqueles cujo traço se assemelha a carvão. Resolvera hoje materializar o exercício que fazia todas as manhãs em que acordara em companhia de uma bela moça: sempre acordava primeiro, para saborear de um modo sinestésico as curvas que remoldara na noite anterior. As ondas dos lençóis, as almofadas jogadas, o corpo nu movimentando-se no ritmo da respiração suave – tudo no ambiente era redesenhado em sua memória, como se houvesse um resquício de prazer na atmosfera infiltrando-se em seu corpo através dos poros e narinas, imobilizando seus olhos de modo a emoldurar seu campo de visão.
            Desde que acordara só havia bebido uma pequena xícara de café adormecido, pouco agradável ao paladar. Como estivesse muito confortável com a própria nudez, espreguiçou-se de frente à janela enquanto procurava com os olhos o maço de cigarros, habitualmente abandonado no parapeito, logo depois vitimando-o com sua falta de destreza matutina.
            Ao abaixar-se para apanhar os cigarros deu de cara com a pasta de desenhos que caracterizava seu ofício. Esqueceu-se do vício enquanto uma idéia lhe brotava no íntimo e passou a esmiuçar com os olhos o pedaço de papel que de lá escapava: pelos traços, concluiu ser a planta de uma pequena casa. Volveu os olhos para a mulher adormecida; nem tudo era “projetável”.
            Posicionou-se de frente para a cama, lápis e papel à mão. Não é possível arquitetar uma mulher – os cabelos escondiam-lhe a face, os cachos eram um prenúncio das ondas que compunham o corpo em repouso. O primeiro traço, o mais difícil: não sabia por onde começar, desconhecia os alicerces que constituíam a base daquela obra. Acostumara-se às retas, seu espírito deixara-se encaixotar pela exatidão dos quadrados e triângulos retângulos, embora na arte nunca tenha lhe agradado os Picassos.
            Depois de alguns traços a idéia pareceu mais “possível”. “Quantas curvas, meu Deus...”. Pensou que retas eram coisas de homem; mulher é mesmo assim, sinuosa, não se conclui com uma explicação direta. São necessárias muitas explicações, muitos caminhos e muitas curvas.
            Projeto finalizado, passou a desejar aquele desenho. O papel parecia-lhe um espelho – e poderia mesmo ser. Via ali a mulher que desejava, o corpo e a companhia que queria consigo e, quem sabe, para si. Via-se no corpo daquela mulher, o espírito excitado por uma invasão de sentidos e sentimentos. Dobrou o papel e cambaleou até a cama, deixando-se guiar pelo seu estado de embriaguês artístico-emocional.
            “Mas o amor é mesmo assim, sinuoso... Precisa de muitas explicações, muitos caminhos e muitas curvas...” – Beijou os cabelos da moça, que remexeu, aconchegando-se. – “...E de uma mulher.”

domingo, 13 de fevereiro de 2011

Ventania

          Muitas vezes provei que eu ainda sentia com meu próprio sangue. Cravava a unha bem fundo na pele e o via brotar, num vermelho que parece ser só seu _ quando mais funda a ferida, mais denso e escuro o sangue surge. Ser sensível é algo que me consome e ninguém vê. Ninguém vê! Queimei-me, rasguei a epiderme, agredi eu mesma minha face, e dei também a outra para bater. Treinei tantas vezes para aprender a dizer não, que aprendi a parecer com a própria palavra. No entanto, sinto; e talvez eu sinta ainda mais pela minha aparência apática no espelho.
         Apática ou não, me agrada o outro. O que não sou eu, o diferente. Assusta, mas agrada. Fico assim na ventania, que acompanha o movimento do meu espírito e contrasta com a expressão do meu rosto. Apaixonei-me pelo vento forte, que me arde os olhos e às vezes os faz chorar. Apaixonei-me pelo eu que não sou, refletido no outro. Apaixonei-me pelos olhos, nariz, boca, corpo e voz – e mais, muito mais pelo espírito. Porque sim, existem ventanias com olhos, nariz, boca, corpo, voz e espírito, tão intenso que me sinto afogar. O vento entra pelas narinas, ar tão necessário que parece até absurdo poder respirá-lo. O amor entra pelas minhas narinas, tão necessário que temo não conseguir inspirá-lo.
        Mas rasgo os pulmões, provando que posso senti-la. Ela – a ventania – entra e arrasta meus sentimentos para dentro de mim. Depois volta, e temo que os leve com ela. Mas eles ficam e vão, repartem-se e não se acabam. E eu sinto. Ainda sinto. E acredito em mim, sensível.

"Ora (direis) ouvir estrelas! Certo
Perdeste o senso!" E eu vos direi, no entanto,
Que, para ouvi-Ias, muita vez desperto
E abro as janelas, pálido de espanto...
E conversamos toda a noite, enquanto
A via láctea, como um pátio aberto,
Cintila. E, ao vir do sol, saudoso e em pranto,
Inda as procuro pelo céu deserto.
Direis agora: "Tresloucado amigo!
Que conversas com elas? Que sentido
Tem o que dizem, quando estão contigo?"
E eu vos direi: "Amai para entendê-las!
Pois só quem ama pode ter ouvido
Capaz de ouvir e de entender estrelas."
                                                                                                      - Olavo Bilac

Novas artes, novo engenho?

Ó arte, tu que és tão forte, que incomodas, alivias, alertas... matas? o homem; explica-me de onde vem a perturbação que te acompanha.

Deves incomodar, isto é fato. Mas sempre cri na perturbação vinda dos sentidos pra dentro; no entanto cada vez comprovo que vem, também ou principalmente, de dentro para fora.

Arte, explicai-me, por que seus filhos são inquietos e auto-destrutivos?
Por que seus jovens filhos, aflitos ou não, parecem esquecidos de si e de todo poder social coercitivo, às vezes tendendo mesmo ao clichê _ coisa que me surpreende, considerando tal veia artística? Por que estes mesmos filhos, tão sensíveis, simplesmente parecem incapazes de se preservar e preocupar-se em extaltar-te, ó Arte, de modo menos suicida?

Ou será esta tendência suicida e, talvez, amoral uma exigência aos mais sensíveis e verdadeiros de teus filhos?

Ou talvez eu seja mesmo "'socialmente criada" para ser insensível?

Ai de mim, que não posso ser completa...

Novíssima Pasárgada.

Pessoas inseguras têm necessidade de justificar seus atos (penso que esta frase não é minha, mas de alguém do qual não me recordo, sendo assim ousei pensar que tenho o direito de abolir as aspas) e eu, insegura como sou, faço minha primeira postagem justificando o nome do blog. Nada mais justo que começar tal explicação com a origem de uma das palavras que compõem o título:

Vou-me embora pra Pasárgada

Manuel Bandeira


Vou-me embora pra Pasárgada
Lá sou amigo do rei
Lá tenho a mulher que quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada.


Vou-me embora pra Pasárgada
Aqui eu não sou feliz
Lá a existência é uma aventura
De tal modo inconsequente
Que Joana a Louca de Espanha
Rainha falsa e demente
Vem a ser contraparente
Da nora que nunca tive

E como farei ginástica
Andarei de bicicleta
Montarei um burro brabo
Subirei no pau-de-sebo
Tomarei banhos de mar!
E quando estiver cansado
Deito na beira do rio

Mando chamar a mãe d'água
Pra me contar histórias
Que no tempo de eu menino
Rosa vinha me contar
Vou-me embora pra Pasárgada.


Em Pasárgada tem tudo
É outra civilização
Tem um processo seguro
De impedir concepção
Tem telefone automático
Tem alcalóide a vontade
Tem prostitutas bonitas
Para gente namorar


E quando eu estiver triste
Mas triste de não ter jeito
Quando de noite me der
Vontade de me matar
_ Lá sou amigo do rei _
Terei a mulher que quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada.


[http://www.releituras.com/mbandeira_pasargada.asp]



Creio que este seja um dos meus poemas preferidos. Não digo "o" poema preferido apenas pelo fato de que, nas noites solitárias em que algum romancezinho me aflige, os poemas aos quais recorro estão todos na Lira dos Vinte Anos, de Álvares de Azevedo. Algumas vezes mais às epígrafes que aos poemas... enfim. Tenho minha própria Pasárgada, inspirada na do Bandeira, e desde criança me refugio neste lugar imaginário. Prova disto é um poeminha meu, feito na infância/pré-adolescência ainda, chamado Sonhos e Devaneios:



Sonhos e Devaneios
Ou Poema Infantil


Vou viajar até Pasárgada
Ver meu velho amigo, o rei
Como princesa encantada
Com meu querido valsarei


E colherei a flor mais linda
Rosas ou flores de liz
E lutarei em mil batalhas
Só pra vencer e ser muito mais feliz


Vou em meus sonhos e devaneios
Para que os fins justifiquem os meios
E em meus sonhos e devaneios
Os últimos hoje, amanhã serão primeiros.


E no meu livro de leis
Todos nós seremos reis
E não haveriam problemas
Que não se resolvessem antes do mundo girar outra vez


Lugar assim tão carinhoso
Ninguém pode arquitetar
O meu refúgio é tão gostoso
Que se melhora, pode até estragar


Vou em meus sonhos e devaneios
Para que os fins justifiquem os meios
Pois em meus sonhos e devaneios
A esperança não é quem morre primeiro.




Daí surgiu o nome do blog, Nova Pasárgada, com a esperança de que aqui eu consiga escrever de uma maneira melhor do que nos últimos blogs/fotolog.

Boas noites!