No Dia da Consciência Negra, não vejo nenhum afrodescendente recebendo flores ou parabéns. É um dia de rememorar os sofrimentos e a luta de muitas pessoas que possibilitaram que a nossa vida na atualidade fosse melhor que a deles.
Sendo assim, no dia da Mulher, que relembra o feminicídio de diversas trabalhadoras que protestavam pelos seus direitos, não quero ser parabenizada por ser mulher. "Parabéns, você é tratada com desigualdade! Toma aqui uma flor" - É essa a sensação que eu tenho. Devemos ser parabenizadas, sim, pela nossa força diária e pela nossa luta. O problema é que a maioria das pessoas que nos parabeniza não tem isso em mente.
Recebemos parabéns por questões que reforçam o esteriótipo do lugar da mulher. Por fazer as coisas no salto alto e embonecadas. Por sermos mães e esposas cuidadosas. Por trabalharmos triplamente para lidar com a vida profissional, a organização da casa e a atenção aos maridos e filhos, carregando o "lar" nas costas porque esta é a parte que nos cabe. Por, mesmo fortes, não perdermos a "feminilidade".
O que eu quero, no lugar do parabéns, é um mundo onde eu não seja olhada com estranheza caso não queira me casar e ter filhos. Um mundo onde depilação, maquiagem e salto alto não me façam ser reconhecidas como mais ou menos feminina, porque de qualquer forma eu continuo sendo mulher. Onde eu não seja obrigada a dar sorrisinhos, ser simpática e delicada em toda e qualquer situação, para não "espantar" os homens. Um mundo onde a minha competência em algum assunto não seja previamente julgada como inferior aos homens ao meu redor: "Que legal sua camisa do Iron Maiden, me fala aí a discografia completa" ou "Ah, se você gosta de futebol, me fala a escalação da Seleção em 1970". Quero um mundo onde eu não precise pedir "ajuda" em casa ao meu companheiro, porque ele tem consciência de que a organização da casa é obrigação de todos que nela moram. Um "lar" em que eu não precise ser aquela que acompanha sozinha as reuniões de pais, as apresentações dos filhos, os deveres de casa dos meus filhos. Quero um mundo onde eu possa voltar da balada no mesmo horário dos meus amigos homens, e possa pegar um Uber ou um táxi com a certeza de que chegarei em casa sem sofrer violência. E que neste mundo, caso sofra alguma violência, a culpa não seja minha por estar com uma roupa "provocante" ou por andar na rua "a esta hora". Quero poder sair na rua com qualquer roupa e não desconfiar de cada "bom dia" que eu recebo de um homem - aliás, quero poder escolher cumprimentar ou não as pessoas de acordo com a minha vontade, sem ficar na dúvida: "se eu cumprimento sou oferecida, se eu não respondo sou mal-educada". Quero um mundo onde a meu companheiro tenha o direito de se afastar do trabalho quando nosso filho nascer, assim como poder trocar as fraldas da criança em banheiros públicos, já que isto não é uma obrigação exclusivamente minha. Para que este mundo se torne verdade é necessário, antes de tudo, que não se desvalorize as pequenas e grandes lutas das mulheres, desde uma denúncia contra um assediador no metrô até protestos em favor da igualdade salarial. Que nossas reivindicações não sejam transformadas em "mimimi". Que o feminismo seja reconhecido pela sua verdadeira natureza de igualdade, e não desacreditado como um movimento de segregação. Que eu receba parabéns por ser feminista, e não por ser "feminina", de acordo com a concepção de feminilidade que nos é imposta. Que eu receba parabéns por lutar e, pouco a pouco, vencer. Então, se você não acredita na luta feminista, se você acha que meu lugar é cuidando da casa, que eu preciso "me dar ao respeito", por favor, guarde suas flores e seu parabéns. É por um mundo sem pensamentos como o seu que eu luto.