quarta-feira, 3 de setembro de 2025

Para um jasmim


No deserto, floriu

E trouxe consigo um oásis.

Sob as luzes ruivas da aurora

O ar, levando seu perfume,

Revigora os beduínos que vagavam cansados.

Pouso fácil para os olhos.

Bela e forte, ainda que pareça frágil.

Atrai sua improvável presença, magnética

Como se natural do deserto fosse;

Milagre é, no entanto, e muito encanta.

Que brote e vigore, esse jasmim.

Que mil regatos banhem suas raízes

Que os ventos sejam brisas

Que o oásis cresça à sua volta

Que nunca seja colhida, nem encolhida;

Que cresça e, como as estrelas no deserto,

Permita que eu, viajando só nessas dunas,

Me perca e me encontre

Ainda que apenas pela sua lembrança:

a esperança de não estar só.

segunda-feira, 9 de junho de 2025

 Colocando o link do Medium aqui, porque lá eu posto umas coisas menos íntimas do que aqui, mas nem por isso quero correr o risco de perder os textos (como é do meu costume fazer ¬¬')


https://medium.com/@mayrasmrqs

domingo, 16 de janeiro de 2022

Existe escolha no capitalismo?

Um assaltante te aborda na rua e pede que você entregue a bolsa com todos os seus pertences. Você, teoricamente, tem uma escolha: entregar a bolsa e perder tudo, ou não entregar e ser morto com um tiro na testa. O que você escolhe?

Assim como o discurso meritocrático, a ideia de que todos nós somos donos das nossas decisões ao longo da vida é falha dentro de uma sociedade desigual. Suponhamos que a venda de órgãos seja legalizada. Quem estaria mais "disposto" a arriscar a vida retirando partes do próprio corpo: uma pessoa que consegue comer bem, pagar todas as contas em dia e não precisa se preocupar com o desemprego, ou alguém na situação oposta, cheio de dívidas, com insegurança alimentar e precisando de dinheiro imediato? O mesmo poderia ser imaginado para os casos de prostituição e barriga de aluguel.

...

Coisas que passam pela minha cabeça enquanto almoço.


sexta-feira, 15 de outubro de 2021

15 de outubro, dia do professor.


É bastante difundido um conto do Zen Budismo no qual um professor universitário faz uma longa viagem para encontrar um mestre zen e, em vez de ouvir o mestre, tentava a todo momento expor o seu próprio conhecimento sobre o zen. Então, o mestre lhe oferece chá e não pára de servi-lo quando a xícara começa a transbordar. Quando o professor reclama, dizendo que sua xícara está cheia, o mestre explica que, se a xícara dele já estava cheia, não havia razões para que ele buscasse os ensinamentos do mestre. Ou seja, para aprender é preciso se despir das próprias certezas.

Para aprender é preciso ter a humildade de escutar. Mas nós, professores, também precisamos esvaziar nossas xícaras, especialmente em um tempo onde a autoridade de quem ensina é constantemente colocada à prova pelas informações buscadas pelos alunos na internet.

Eu, particularmente, já passei por momentos em que a vontade era dar a carteirada de "a professora sou eu" quando algum aluno vinha contar que fulano de tal na internet discordava de algo que eu estava tentando ensinar. Mas a verdade é que, cada vez mais, o nosso lugar está mais relacionado a uma curadoria de conteúdos do que aquele de "emanar saber".

No fim das contas, nós, professores, somos apenas pessoas que já estão estudando um determinado tema há mais tempo. Continuamos estudando até o fim da vida, e talvez se nossos alunos conseguirem nos ver desta forma, vão compreender que estamos aqui para tentar mostrar um caminho que já foi percorrido por nós, para que eles não precisem perder tempo e disposição tentando não se afogar na infinidade de conteúdos (bons ou maus) disponíveis online.


E fica aqui um auto-lembrete: o de respirar fundo e contar até dez cada vez que algum aluno tentar me empurrar a sua xícara cheia. Afinal, se a minha também estiver transbordando, no fim nós dois sairemos frustrados deste encontro, molhados pelos nossos próprios chás.

quinta-feira, 5 de setembro de 2019

Violino


Na alma do meu violino
estão guardados os meus sentimentos
um coração de poeta
e alguns outros inventos.

Apoiadas em seu cavalete
as cordas são como telas
onde os dedos pintam cores
de melodias singelas.

Seu estandarte não porta bandeiras,
brasões, doutrina ou país;
a música não tem fronteiras,
a emoção é o seu verniz.

Na queixeira descanso o rosto
como quem deseja dormir;
as arcadas são movimentadas
pelo meu mais puro sentir.

Gentilmente torço as cravelhas,
afinando uma nova canção,
indo a todas as orelhas
que se abrem ao meu coração.

domingo, 28 de abril de 2019

Gente humilde

Outro dia estava conversando com um primo meu que está trabalhando em um emprego que eu considero muito estressante. Perguntei a ele se estava gostando do novo emprego e a resposta veio acompanhada de um suspiro e um sorriso desconcertado: "tenho que gostar, né".
Fiquei um pouco sem graça com a minha falta de sensibilidade e tentei remedar dizendo que o importante era ter o emprego, que gente chata tem em qualquer lugar e essas coisas. Depois que nos despedimos, pensei várias vezes nesse episódio e resolvi escrever um pouco das coisas que têm passado pela minha cabeça.
Eu sempre vi uma diferença entre a minha vida e a vida de muitos dos meus primos. Eu pude estudar em escola particular, emendei o ensino médio na faculdade, fiz intercâmbio e estou na pós-graduação. A necessidade de começar a ganhar algum dinheiro surgiu em mim durante a faculdade, não por uma demanda externa, mas porque eu queria não precisar pedir dinheiro aos meus pais cada vez que quisesse comprar um chiclete. Mais tarde eu vi esta situação se alterar um pouco, claro, mas mesmo me sentindo um pouco mais responsável pelos custos da minha casa e por ajudar meus pais, minha contribuição ainda não chega a ser algo imprescindível.
A maioria dos meus primos estudou em escola pública, formou no ensino médio (alguns nem formaram) e nem tentou entrar na universidade. Muitos dos meus primos começaram a trabalhar durante a adolescência, quando isso ainda nem passava pela minha cabeça. Vendendo picolé, trabalhando em lanchonetes, em casas de família - nenhum trabalho que fosse algo que eles realmente se sentissem empolgados fazendo. Mas isso não quer dizer, por outro lado, que eles tivessem algum problema com isso - é a lógica do "é importante ter um emprego, não importa se não é tão divertido". A maioria deles está casada e tem filhos, e o dinheiro que eles ganham não é importante apenas para eles, já que têm responsabilidade sobre uma casa e as pessoas que nela habitam.
Eu nunca gostei da associação que as pessoas fazem entre pouco dinheiro e humildade. Sempre achei que alguém pode ser rico e humilde ou pobre e arrogante. No entanto, percebo que em certos aspectos a falta de dinheiro exercita ao menos um tipo de humildade: saber que algo é necessário, que não depende só da minha vontade, uma certa resiliência. Eu me permito recusar trabalhos que eu não considero tão bem remunerados ou muito chatos. Um primo que tem três crianças em casa para alimentar não tem a mesma forma de pensamento que eu: em tempos de desemprego, qualquer oferta de trabalho é recebida com um sorriso.
Pensar sobre isso me fez sentir um pouquinho de vergonha sobre todas as vezes que eu reclamei por trabalhar e estudar ao mesmo tempo, ou por ter que fazer algo que eu não gostasse para ganhar dinheiro. Isso porque trabalhar nestas situações, para mim, estava relacionado a algum objetivo muito pessoal meu. No caso dos meus primos, trabalhar significa conseguir viver, se alimentar, comprar roupa pros filhos. O que nos move é bastante diferente. Pensando de uma forma cínica, poderíamos dizer que ambos os lados escolheram aceitar ou não os empregos, ou escolheram as razões pelas quais vale a pena trabalhar. Para mim, todavia, parece injusto comparar alguém que junta dinheiro para tirar a carteira de motorista com alguém que conta com o salário de todo mês para alimentar os filhos.
Eu não invejo a situação deste meu primo. Eu gostaria que ele pudesse encontrar um emprego bem melhor do que ele tem agora. A nossa conversa, porém, me fez desejar ter um pouco desta humildade de quem vê a vida de uma forma mais prática e imediata, sem se sentir um coitado por isso - e que fique claro aqui: eu acho sim que uma pessoa que trabalha pra conseguir um salário mínimo e tem que aceitar um trabalho super estressante é, sim, uma vítima de um sistema que, embora naturalizado pela nossa sociedade, é horrível e violento.  Ou seja, se ele se sentisse uma vítima, não acho que ele estaria errado, apenas estaria menos feliz. Porque, no fim das contas, este sentimento de injustiça por si só não o permitiria recusar o emprego, nem deixar de pagar as contas, e provavelmente ele só ficaria mais deprimido com toda a situação. É melhor que eu sinta esta indignação por ele, já que eu não tenho filhos pra criar nem estou, no momento, obrigada a trabalhar em algo que eu detesto.