Outro dia estava conversando com um primo meu que está trabalhando em um emprego que eu considero muito estressante. Perguntei a ele se estava gostando do novo emprego e a resposta veio acompanhada de um suspiro e um sorriso desconcertado: "tenho que gostar, né".
Fiquei um pouco sem graça com a minha falta de sensibilidade e tentei remedar dizendo que o importante era ter o emprego, que gente chata tem em qualquer lugar e essas coisas. Depois que nos despedimos, pensei várias vezes nesse episódio e resolvi escrever um pouco das coisas que têm passado pela minha cabeça.
Eu sempre vi uma diferença entre a minha vida e a vida de muitos dos meus primos. Eu pude estudar em escola particular, emendei o ensino médio na faculdade, fiz intercâmbio e estou na pós-graduação. A necessidade de começar a ganhar algum dinheiro surgiu em mim durante a faculdade, não por uma demanda externa, mas porque eu queria não precisar pedir dinheiro aos meus pais cada vez que quisesse comprar um chiclete. Mais tarde eu vi esta situação se alterar um pouco, claro, mas mesmo me sentindo um pouco mais responsável pelos custos da minha casa e por ajudar meus pais, minha contribuição ainda não chega a ser algo imprescindível.
A maioria dos meus primos estudou em escola pública, formou no ensino médio (alguns nem formaram) e nem tentou entrar na universidade. Muitos dos meus primos começaram a trabalhar durante a adolescência, quando isso ainda nem passava pela minha cabeça. Vendendo picolé, trabalhando em lanchonetes, em casas de família - nenhum trabalho que fosse algo que eles realmente se sentissem empolgados fazendo. Mas isso não quer dizer, por outro lado, que eles tivessem algum problema com isso - é a lógica do "é importante ter um emprego, não importa se não é tão divertido". A maioria deles está casada e tem filhos, e o dinheiro que eles ganham não é importante apenas para eles, já que têm responsabilidade sobre uma casa e as pessoas que nela habitam.
Eu nunca gostei da associação que as pessoas fazem entre pouco dinheiro e humildade. Sempre achei que alguém pode ser rico e humilde ou pobre e arrogante. No entanto, percebo que em certos aspectos a falta de dinheiro exercita ao menos um tipo de humildade: saber que algo é necessário, que não depende só da minha vontade, uma certa resiliência. Eu me permito recusar trabalhos que eu não considero tão bem remunerados ou muito chatos. Um primo que tem três crianças em casa para alimentar não tem a mesma forma de pensamento que eu: em tempos de desemprego, qualquer oferta de trabalho é recebida com um sorriso.
Pensar sobre isso me fez sentir um pouquinho de vergonha sobre todas as vezes que eu reclamei por trabalhar e estudar ao mesmo tempo, ou por ter que fazer algo que eu não gostasse para ganhar dinheiro. Isso porque trabalhar nestas situações, para mim, estava relacionado a algum objetivo muito pessoal meu. No caso dos meus primos, trabalhar significa conseguir viver, se alimentar, comprar roupa pros filhos. O que nos move é bastante diferente. Pensando de uma forma cínica, poderíamos dizer que ambos os lados escolheram aceitar ou não os empregos, ou escolheram as razões pelas quais vale a pena trabalhar. Para mim, todavia, parece injusto comparar alguém que junta dinheiro para tirar a carteira de motorista com alguém que conta com o salário de todo mês para alimentar os filhos.
Eu não invejo a situação deste meu primo. Eu gostaria que ele pudesse encontrar um emprego bem melhor do que ele tem agora. A nossa conversa, porém, me fez desejar ter um pouco desta humildade de quem vê a vida de uma forma mais prática e imediata, sem se sentir um coitado por isso - e que fique claro aqui: eu acho sim que uma pessoa que trabalha pra conseguir um salário mínimo e tem que aceitar um trabalho super estressante é, sim, uma vítima de um sistema que, embora naturalizado pela nossa sociedade, é horrível e violento. Ou seja, se ele se sentisse uma vítima, não acho que ele estaria errado, apenas estaria menos feliz. Porque, no fim das contas, este sentimento de injustiça por si só não o permitiria recusar o emprego, nem deixar de pagar as contas, e provavelmente ele só ficaria mais deprimido com toda a situação. É melhor que eu sinta esta indignação por ele, já que eu não tenho filhos pra criar nem estou, no momento, obrigada a trabalhar em algo que eu detesto.